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Como a ditadura Vargas atrapalhou Monteiro Lobato para poder fundar a Petrobras

por Felipe Martins Passero
Artigo publicado na Gazeta do Povo

Os personagens do Sítio do Picapau Amarelo são conhecidos pelas crianças brasileiras há décadas. O que poucos sabem, todavia, é que o autor dos livros infantis foi o pioneiro da indústria petrolífera no Brasil e seus livros serviram para financiar 22 anos de pesquisa e prospecção de petróleo. Por querer ser um empreendedor do ramo de energia, Monteiro Lobato foi perseguido e preso pelo governo de Getúlio Vargas, o qual, posteriormente, fundou a Petrobras e inventou a narrativa mentirosa de que, se não fosse o Estado, o Brasil não teria produção de petróleo.

Tudo começa em 1926, quando o escritor vai para os Estados Unidos como adido comercial consular. Por quatro anos, viu como aquele país estava se industrializando com base no aço e no petróleo. Naquele momento, a indústria de automóveis e trens a diesel apenas engatinhava, e a energia vinda do petróleo se tornava cada vez mais importante.

De volta ao Brasil em 1930, Monteiro Lobato passou a defender, através da criação de associações empresariais, da publicação de livros e artigos em jornais, a criação de uma indústria siderúrgica no Brasil. Com pouco interesse da sociedade da época no tema, Lobato se dedicou a prospectar petróleo. Em 1931, o engenheiro alagoano Edson de Carvalho descobriu petróleo no bairro de Riacho Doce, em Maceió. No ano seguinte, ele se associou a Monteiro Lobato e juntos criaram a Companhia Petróleo Nacional. Com a ajuda de geólogos alemães, também prospectaram petróleo na Bahia. O escritor também fundou a Companhia Petróleos do Brasil, a Companhia de Petróleo Cruzeiro do Sul e a Companhia Matogrossense de Petróleo.

Em cartas entre Monteiro Lobato e Charles Frank, o autor se queixa do DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral –, órgão estatal brasileiro da época. Segundo Lobato, a Standard Oil, produtora americana de petróleo e combustíveis, tinha interesse em criar uma reserva de mercado para seu produto em diversos países. Por conta disso, influenciavam funcionários públicos brasileiros para dificultar a produção de petróleo no Brasil. Os técnicos da Standard Oil e da ditadura Vargas diziam ser impossível extrair petróleo no Brasil: cavavam poços em lugares onde potencialmente existiriam reservas de petróleo, mas os poços eram propositalmente rasos, justificando a suposta inviabilidade da extração.

É importante ressaltar que o governo Vargas mudou uma série de leis visando dificultar o trabalho da iniciativa privada no setor. Entre o final do século XIX até a década de 1930, os recursos do subsolo pertenciam ao dono da terra. Se alguém descobrisse uma mina de ouro no subsolo de sua fazenda, essa pessoa automaticamente teria o direito de explorá-lo. A gestão das minas e dos recursos do subsolo era organizada pelas administrações estaduais, e não centralizadas no governo federal. O modelo da época era baseado no federalismo, na autonomia dos estados na administração.

Vargas veio para destruir a autonomia dos estados. A ditadura Vargas foi o período mais longo sem eleições no Brasil, superando até mesmo o período colonial no quesito. A ditadura então criou a Lei de Minas, que determinou que a organização das minas deveria estar centralizada no DNPM, órgão do Ministério da Agricultura. Além disso, declarou-se que os recursos do subsolo pertenciam à União, podendo ser outorgados a quem quisesse minerar.

O governo federal proibiu capital estrangeiro no setor de mineração e petróleo, além de dificultar a importação de equipamentos para a perfuração dos poços. Devemos lembrar que na época do Império e da República Velha o investimento em infraestrutura no Brasil era feito através do mercado de capitais da Inglaterra e dos Estados Unidos. As ferrovias brasileiras foram financiadas com emissões de ações e empréstimos nesses países, que já tinham capital excedente para investir nesses projetos. O Brasil, portanto, não tinha mercado de capitais e nem crédito para financiar um projeto tão grande como a exploração de petróleo. Além disso, o Brasil não produzia equipamentos para essa indústria, pois simplesmente não existia exploração em escala no país.

Frente a estas dificuldades, Monteiro Lobato escreveu o livro O escândalo do Petróleo, mostrando todas essas dificuldades para a sua empresa e como isso atrasaria o desenvolvimento do país. Além disso, escreveu o livro O poço do Visconde, onde retrata o Visconde de Sabugosa no contexto do petróleo, denunciando a corrupção do governo da época que privilegiava os importadores de combustível. Um dos geólogos de Alagoas morreu afogado em circunstâncias misteriosas, entre outros fatos intrigantes. Os geólogos do governo se empenhavam em vir a público desacreditar o trabalho das empresas de Monteiro Lobato.

O governo Vargas entendeu que a postura de Lobato “ofendia a honra” do DNPM e do próprio governo e decidiu prender o escritor, antecipando as atitudes de um certo juiz dos dias de hoje. Monteiro Lobato foi condenado a seis meses de prisão; no entanto, cumpriu apenas três deles, por conta da pressão popular. O governo Vargas mandou então recolher os livros, censurando o autor. Mais um ponto em comum com o nosso ministro deficiente capilar.

Uma vez solto, Monteiro Lobato desistiu das empresas de petróleo. Ele faleceu antes da fundação da Petrobras em 1953, no segundo governo de Getúlio Vargas. Os primeiros poços da empresa foram os que Lobato havia começado a explorar de forma ainda incipiente. Até hoje, os principais pontos de exploração de petróleo em terra estão no Nordeste brasileiro, onde Edson de Carvalho e Lobato tinham descoberto as jazidas.

Monteiro Lobato faleceu em 1948 e, em sua última entrevista, encerrou com a seguinte frase: “o petróleo é nosso!”. Essa frase não significa que o petróleo deveria ser estatal, mas que era dos brasileiros, e não dos burocratas corruptos. Se a Operação Lava Jato fosse investigar toda a corrupção na Petrobras, esse processo deveria investigar crimes desde os anos 1930. Ou seja, o governo se apropriou dos poços, do nome da empresa – a Petrobras se chama Petróleos Brasileiros S. A., muito parecido com Petróleos do Brasil de Lobato – e até do slogan do escritor.

O autor, em uma entrevista em seus últimos anos, ao ser perguntado sobre o petróleo, disse: “Chega. Não quero nunca mais tocar neste assunto de petróleo. Amargurou-me doze anos de vida, levou-me à cadeia – mas isso não foi o pior. O pior foi a incoercível sensação de repugnância que, desde então passei a sentir sempre que leio ou ouço a expressão ‘Governo Brasileiro’”. Não só ele, mas muitos outros brasileiros, assim como nós, compartilhamos desse sentimento de repugnância.

Felipe Martins Passero é formado em Administração de Empresas, é CFA Charterholder e associado do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP).

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