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A Injustiça do Distrato

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O maior problema do mercado imobiliário atualmente são os distratos. Os distratos estão sendo responsáveis pelos prejuízos na maioria das empresas do setor, sendo que muitas delas estão entrando em recuperação judicial e algumas poderão, inclusive, ir à falência. E o que são os distratos? É o nome que está sendo usado para o cancelamento por parte do comprador da compra de um imóvel, ou seja, o comprador adquire um apartamento, uma casa ou um conjunto comercial, assina um contrato irrevogável e irretratável, e ao longo da obra ou ao término dela opta por desistir da compra.

 

Apesar do contrato firmado ser irrevogável e irretratável, ou seja, não pode desistir nem se arrepender, o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor concede ao comprador o direito de pedir o distrato no caso de compra de um imóvel, porém a lei não especifica o quanto deveria ser devolvido para o comprador, apenas cita que o incorporador não pode reter 100% dos valores pagos pelo cliente. Por esta razão, a maioria das incorporadoras prevê no seu instrumento de compra e venda que em caso de desistência por parte do comprador, será devolvido um percentual do valor pago, abatido das despesas com publicidade e vendas. Porém, o que vem acontecendo na prática é que o comprador acaba não aceitando o valor da devolução prevista no contrato e quer um valor ainda maior, o qual a incorporadora geralmente não concorda em devolver. Como na maioria dos casos não se chega a um acordo entre as partes, o comprador ingressa com uma ação judicial contra o vendedor e a Justiça vem dando ganhos de causa ao comprador, obrigando o vendedor a devolver todo dinheiro pago pelo cliente, atualizado pelo índice de inflação e acrescido de juros de 12% ao ano, além das despesas com advogados de ambas as partes. Apesar do Código de Defesa do Consumidor existir desde 11 de setembro de 1990, o volume dos distratos aumentou significativamente nos últimos 4 anos. Isso porque durante todo esse período o preço dos imóveis sempre aumentava, fazendo com que os compradores não tivessem interesse em distratar a unidade. No início, os distratos eram solicitados apenas por aqueles compradores que perderam o emprego e por aqueles que, devido ao aumento das taxas de juros, tiveram suas prestações aumentadas e não conseguiram ter a renda necessária para assumir o financiamento. Exemplificando, em um financiamento de 30 anos, para cada ponto percentual que sobe a taxa de juros do financiamento, a prestação do imóvel sobe 8%. Como a taxa de juros nos últimos anos subiu em torno de 4p.p., a renda que o adquirente teria que comprovar seria 32% maior que a renda exigida no ato da compra e, portanto, teria o seu crédito recusado pelo banco. Naquele momento o estoque de imóveis estava muito alto e as empresas começaram a praticar grandes descontos para poderem liquidar suas dívidas com os bancos que financiaram a construção do imóvel, incentivando assim, inclusive aqueles compradores que teriam condições de comprovar a renda e, portanto, assumir o financiamento, a desistir da compra, fazendo com que o estoque de imóveis aumentasse ainda mais. Consequentemente, as incorporadoras foram obrigadas a conceder maiores descontos para liquidar seus estoques, fazendo com que o preço dos imóveis baixasse muito, incentivando ainda mais os distratos e criando um efeito “bola de neve” sem fim.

Em resumo, o comprador, ao comprar um imóvel na planta, tem em suas mãos uma opção de graça, pois se o preço da unidade subir, ele adquire definitivamente o imóvel e caso o preço venha a cair ele pode desistir da compra e receber todo seu dinheiro de volta, com um rendimento melhor que qualquer aplicação financeira. Isto além de criar uma crise de liquidez nas incorporadoras, forçam as mesmas a vender as unidades abaixo do custo, gerando um prejuízo real e contábil muito grande, uma vez que os resultados destas vendas já haviam sido contabilizados e agora terão que ser revertidos.

No mundo inteiro não existe uma lei como essa, seja nos Estados Unidos, Inglaterra, França, Espanha, Portugal, China, Israel, Angola ou qualquer outro país. Em todos estes os países o comprador perde todo o dinheiro pago caso opte pela desistência da compra do imóvel e na maioria deles o comprador ainda tem que indenizar o vendedor do prejuízo causado pela desistência.

Sou a favor que haja uma mudança na lei aqui no Brasil. O certo seria proibir o distrato, ou seja, o comprador teria que honrar o negócio que ele fechou. Porém, como é difícil alterar o Código de Defesa do Consumidor, pelo menos, que seja regulamentada a devolução dos valores para que o comprador do imóvel tenha alguma penalidade ao solicitar o distrato. Sou a favor também que haja um mecanismo que não prejudique aquele comprador que solicitou o distrato por ter perdido o emprego, ou por algum motivo de força maior como saúde e outros. Nos últimos 3 anos, entre os clientes da Tecnisa, apenas 5,1% dos distratos foram por perda de emprego e 0,4% por motivos de saúde, porém tivemos mais da metade das unidades vendidas nesse período, distratadas. Também sou a favor que o comprador assuma o financiamento no ato da compra do imóvel, assim como acontece no programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), aonde não ocorre o distrato. Ou pelo menos, que os bancos mantenham as taxas de juros no momento que o comprador adquire o imóvel, evitando assim, o problema da variação da prestação e, consequentemente, os distratos. Dessa forma, as incorporadoras poderiam trabalhar em um ambiente mais seguro, com menos incertezas, e realizar maiores investimentos, gerando mais renda e empregos em todo o País.

Por Meyer Joseph Nigri – CEO da Tecnisa S.A.

Fonte: Blog do IFL no InfoMoney